Europa está a ficar mais quente e parece que não vai refrescar assim tão cedo
Uma análise exclusiva de mais de 100 milhões de dados meteorológicos mostra que as mais importantes cidades da Europa aqueceram mais no século 21 do que no século 20. Regiões subárticas, Andaluzia e Sul da Roménia são as zonas mais afetadas.
Europa está a ficar mais quente e parece que não vai refrescar assim tão cedo
Uma análise exclusiva de mais de 100 milhões de dados meteorológicos mostra que as mais importantes cidades da Europa aqueceram mais no século 21 do que no século 20. Regiões subárticas, Andaluzia e Sul da Roménia são as zonas mais afetadas.
Atualização (26 de setembro de 2018)
Encontramos inconsistências nos dados de algumas cidades. Essas cidades foram removidas, enquanto investigamos a causa. Suspeitamos que alguns dados publicados anteriormente possam estar errados.Existem 38 cidades onde suspeitamos de erros de dados: Östersund, Sundsvall, Rovaniemi, Aosta, Borlänge, Karlstad, Visby, Belluno, Skellefteå, Kalmar, Vaxjo, Lappeenranta, Luleå, Bodø, Beja, Pori, Næstved, Trollhättan, Kolding, Vejle, Randers, Kiruna, Vaasa, Halmstad, Évora, Karlskrona, Prizren, Gävle, Piombino, Kouvola, Joensuu, Roskilde, Skövde, Mariehamn, Skopje, Fredrikstad, Esbjerg e Kristianstad.
As restantes 520 cidades não são afetadas.
Em dezembro 2015 no acordo de Paris , 195 membros da United Nations Framework Convention on Climate Change concordaram em “limitar o aumento das temperaturas de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais”. Para varias cidades europeias, com milhões de habitantes, o limiar dos 1,5°C já foi atingindo.
Uma investigação exclusiva da Rede Europeia de Jornalismo de Dados (EDJNet) mostra que nas regiões nórdicas e bálticas como também na Andaluzia e no Sudeste da Roménia, as temperaturas do século 21 já foram muito mais quentes, as vezes de vários graus, do que no século 20, afetando a esperança de vida, a saúde e o bem-estar dos europeus. O aumento de temperatura de 1,5°C é um objetivo global e as áreas que aquecem mais rapidamente fazem parte das zonas abrangidas. Durante décadas os cientistas estiveram a espera que fossem as áreas mais próximas do Equador a aquecer mais.
Em Granada, Córdoba e Málaga, todas cidades andaluzes, a média anual das temperaturas era no mínimo 1,5°C superior as do século 20. Em Bucareste, a capital romena, as temperaturas aumentaram de 1,4°C. Em comparação com os níveis pré-industriais, um período que se considera ser de 1850 a 1900, o aumento é provavelmente maior. Em comparação, as cidades da costa atlântica sofreram menos aumentos de temperatura.
Estes achados são o resultado da análise de mais de 100 milhões de dados disponibilizados pelo European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), uma organização internacional que usa as chamadas “reanálises” dos dados meteorológicos, baseadas numa grande variedade de fontes como estações e balões meteorológicos, boias e satélites de observação. É a primeira vez que os dados de reanálise tornaram-se tão facilmente acessíveis a esta escala.
Este tipo de dados são muito uteis para estudar tendências meteorológicas em períodos de mais de um século, porque harmoniza as contribuições de milhares de fontes de dados e pode fazer comparações entre todos os períodos e os espaços abrangidos. Se os valores absolutos podem diferir dos dados coletados diretamente nas estações, especialmente quando as cidades sofreram os efeitos duma “ilha de calor urbano“, com temperaturas 10°C mais altas do que nos arredores, as tendências globais são as mesmas.
Olhando para os dados diários, EDJNet é capaz de mostrar como os números de dias quentes e frios evoluíram nos últimos 117 anos. Na cidade de Split por exemplo, a segunda maior da Croácia, o número de dias onde a temperatura atingiu os 27°C foi de menos de um dia por ano durante o século 20 mas de 14 dias por ano no século 21. Ao contrario, o número de dias frios diminui na maior parte das cidades. Em Riga, capital da Lituânia, o número de dias onde a temperatura média desceu alem dos -1°C passou de 75 por ano no século passado a 57 no século 21. Uma informação tão detalhada permite uma avaliação precisa do impacto local das mudanças de temperatura.
As setas mostram quanto a temperatura aumentou desde o século passado, em cidades selecionadas, em seis etapas; de um aumento muito pequeno (verde, flecha horizontal), para um aumento muito grande (seta vermelha, quase vertical). Nem todas as cidades na análise são exibidas.
Os efeitos do calor sobre a saúde, a criminalidade e as habilidades cognitivas
Mesmo limitado a alguns graus ou menos, o aumento da temperatura pode ter severas consequências, diz Mojca Dolinar, directora do departamento de climatologia da Agencia Eslovena do Ambiente, uma estrutura governamental. Uma atmosfera mais quente pode absorver mais agua porque consegue liberta-la sob a forma de chuva, explica Mojca Dolinar. Isto implica que os períodos mais chuvosos tornam-se mais longos e as secas mais severas. Por outro lado, a chuva, por caso da concentração mais alta de agua na atmosfera, tem tendência a ser também mais concentrada, conduzindo a mais inundações.
Temperaturas mais altas, especialmente durante ondas de calor, foram responsáveis por milhares de mortos desde o ano 2000. A onda de calor de 2003 resultou em mais de 70 000 mortos suplementares na metade oeste do continente. Sem tomar em conta a inação dos planos nacionais de contingência para temperaturas elevadas em vários países, uma análise da relação entre calor e mortalidade em 9 cidades europeias mostrou que, mesmo se o excesso de mortalidade diminui em Paris, Roma e Atenas desde 2003, as temperaturas mais altas ainda causam excesso de mortalidade e não só nas cidades do Sul. As cidades nórdicas são mais vulneráveis aos efeitos do calor do que as cidades que já têm o hábito de enfrenta-los regularmente. Em Madrid, por exemplo, a mortalidade só aumenta quando a temperatura diária excede 21°C, em comparação com 19°C em Estocolmo.
O aumento da mortalidade causado pela onda de calor de 2017, conhecida por “Lucifer”, com temperaturas que subiram alem dos 40°C nos Balcãs, na Itália e em Espanha como também pela onda de calor de 2018 no Norte da Europa já devia ter sido analisado pelas autoridades sanitárias e pelos investigadores.
Se a mortalidade é superior durante as ondas de calor, elas também afetam a população europeia noutros aspectos. Investigadores mostraram que os alunos têm piores resultados, especialmente em matemáticas, quando a média da temperatura diária sobe alem dos 22°C . Em 425 das 558 cidades analisadas pela EDJNet, o número de dias de escola com uma temperatura diária alem dos 22°C por ano aumentou no século 21. Em Sevilha, por exemplo, os alunos sofreram no século 20 uma média anual de 12 dias de escola com uma temperatura média diária alem dos 22°C. Este valor duplicou no século 21. As consequências do aumento das temperaturas sobre os resultados acadêmicos dos alunos europeus ainda não foram estudadas.
Criminólogos sabem desde os anos 80 que, nos Estados Unidos pelo menos, os crimes violentos aumentam com a temperatura. Na Europa, apesar do aumento da temperatura, nenhuma agência nacional ou investigador tentou reproduzir a análise.
Caminhos de ferro e estradas também são afetadas pelo aumento das temperaturas, porque o alcatrão das estradas amolece ao ponto de algumas estradas terem que fechar durante os dias mais quentes. As vias férreas usadas nas cidades (para comboios suburbanos ou elétricos) podem sofrer deformações quando o metal das vias expande-se por caso do calor e torna-se instável. Isto pode provocar atrasos e, como aconteceu no metro de Washington D.C. em 2012, descarrilamentos.
Mesmo se o aumento das temperaturas teve um impacto visível nas cidades europeias ainda é difícil ver, a nível local, tentativas organizadas e concretas de adaptação. Com efeito, alguns planos nacionais sobre as alterações climáticas confundem a luta contra as alterações climáticas e a simples adaptação as temperaturas mais elevadas. As mudanças climáticas só podem ser contidas abandonando a exploração dos hidrocarbonetos e capturando o carbono na atmosfera (mesmo se nenhuma destas opções teve resultados significativos ), enquanto a adaptação as temperaturas mais altas significa assegurar-se que as instalações humanas permaneçam habitáveis durante uma mudança climática.
Os planos nacionais limitam-se frequentemente a instrumentos de regulação, como uma taxa para incentivar ao uso de energias renováveis. Relativamente a criação de espaços verdes para limitar as ilhas de calor urbano e portanto a mortalidade devida as ondas de calor, a renovação da rede de transporte local para torna-la mais resistente ao calor ou a instalação de sistemas de climatização nas escolas, as cidades acabam por ter que agir sozinhas.
Nas semanas que vêm a EDJNet vai publicar uma serie de artigos sobre o impacto local do aumento das temperaturas em cidades europeias especificas e procurar quais são as medidas que as autoridades locais e as outras partes interessadas estão a preparar para atenuar os efeitos negativos do aumento das temperaturas.
Metodologia
Analisámos dois conjuntos de dados do Centro Europeu para Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF), ERA-20C para o período de 1900-1979 e interino da ERA para o período 1979-2017.
Ambos os conjuntos de dados são chamados de re-análise, o que significa que os cientistas do ECMWF usaram observações de uma variedade de fontes (satélite, estações meteorológicas, bóias, balões meteorológicos) para estimar uma série de variáveis para quadrados de cerca de 80 km quilómetros para ERA-20C). Embora as estações meteorológicas ofereçam um registro muito melhor para observações diárias imediatas, o uso da análise do ECMWF é muito mais adequado para o estudo de tendências de longo prazo. Estações meteorológicas podem se mover, ou a cidade pode se expandir em torno delas, tornando seus dados pouco confiáveis quando se olha para tendências centenárias. No entanto, os dados do ECMWF não levam em conta os microclimas ou os efeitos de “ilha de calor”, de modo que o tempo real nas ruas de Baia Mare foi provavelmente um ou dois graus mais quente que os valores aqui relatados (a tendência, no entanto, é o mesmo).
A análise e relatórios foram feitos pela Rede Europeia de Jornalismo de Dados (EDJNet). Coordenação por J ++, Vox Europ e OBC Transeuropa. Outros parceiros incluem Spiegel Online (Alemanha), Pod Črto (Eslovénia), Mobile Reporter (Bélgica), Rue89 (França), Alternatives Economiques (França) e El Confidencial (Espanha).